Exílio cá dentro
Hoje, de manhã, a Antena Um ocupou uma hora de emissão a debater exaustivamente a cobertura que tem preparada para o Mundial da Alemanha. Note-se que eu gosto de futebol e não tenho pejo em visionar pela milionésima vez o calcanhar de Madjer, a mão de Deus de Maradona e essoutras epifanias que definem a civilização, tal como a conhecemos. Mas aqui a notícia não era o Mundial, antes a forma como a estação o cobrirá. Experientes jornalistas da casa interrogavam veteranos jornalistas da casa, numa orgia de agudezas candentes, de deixar suspensa a alma mais empedernida (ó Afonso Domingues, o que é que pensas da nossa fabulosa cobertura?), enquanto o jornalista-da-casa-que-vai-cobrir-o-Brasil confessava emocionado ao jornalista-da-casa-que-vai-cobrir-Angola que a sua cobrição era o culminar do sonho de uma vida. Qualquer semelhança entre esta alarvice e jornalismo é puro onanismo.
E ainda agora a procissão vai no Templo de Diana. A selecção estagia pelo Alentejo, como se sabe a zona de Portugal onde as condições climatéricas mais se assemelham às da Alemanha, preparando-se para concorrer em termos de igualdade com o Irão. Sim, que não nos irão apanhar órfãos de canícula!
Agora imaginem todos os vindouros momentos de glória para cobrir: a partida da selecção, com um especial Toda a verdade sobre o conteúdo de cada saco de viagem; a chegada da selecção a Colónia, com um debate sobre o jet lag e a sua possível influência na performance contra Angola; os hotéis da selecção, com entrevistas aos vários paquetes disponíveis; os jogos de sueca dos defesas centrais da selecção, comentados por Marcelo Rebelo de Sousa, que aproveitará para apresentar a sua revolucionária teoria - e se jogassem bridge?
Isto para além das pérolas de sabedoria que hordas de denodados jornalistas arrancarão a todos os intervenientes ocasionais na epopeia, incluindo um primo afastado da cunhada do roupeiro, a namorada do irmão do segundo cozinheiro e as dezenas de milhares de famílias emigrantes que vão ter direito a quinze segundos de antena, sim que aquilo é quase como jogar em casa, e Herr Serafim Santos, torneiro mecânico de Fornos de Algodres, residente em Frankfurt vai para vinte e dois anos, tem tanto, mas tanto, para nos dar como comentador futebolístico… tudo multiplicado por três, que Brasil e Angola são povos irmãos e também têm direito a ser muito bem cobertos.
Por isso vos digo: estou decidida ao exílio. Na impossibilidade de me instalar fisicamente na Patagónia profunda durante o próximo mês (com uma boa parabólica, claro) estarei em Portugal de corpo presente, com o espírito nas pampas. O rádio do carro morto de mudo, a televisão barrada no Discovery Channel - que quem discover não cobre – e jornais vadre retro! Serei uma ilha de ignorância no mar da trivia mundialista. Uma estranha neste país estranho. Emergindo em alturas seleccionadas, durante curtos períodos de uma hora e quarenta e cinco minutos. Porque alguém tem de torcer pelo Togo.